Hans Theys ist Philosoph und Kunsthistoriker des 20. Jahrhunderts. Er schrieb und gestaltete fünzig Bücher über zeitgenössische Kunst und veröffentlichte zahlreiche Aufsätze, Interviews und Rezensionen in Büchern, Katalogen und Zeitschriften. 

Diese Plattform wurde von Evi Bert (M HKA : Centrum Kunstarchieven Vlaanderen) in Zusammenarbeit mit der Royal Academy of Fine Arts Antwerpen (Forschungsgruppe ArchiVolt), M HKA, Antwerpen und Koen Van der Auwera entwickelt. Vielen Dank an Fuchs von Neustadt, Idris Sevenans (HOR) und Marc Ruyters (Hart Magazine).

ESSAYS, INTERVIEWS & REVIEWS

Walter Swennen - 2016 - Hic Haec Hoc [PT, interview]
, 8 p.
ink on paper

 

 

 

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HIC HAEC HOC

 

Algumas palavras de Walter Swennen,

provocadas e destiladas por Hans Theys

 

 

 

A PINTURA

Meu avô dizia: “é bom quando é pintado”.

Meus mestres na pintura são Quick e Flupke, que derrubam uma lata de tinta e tentam cobrir o que fizeram pintando o chão inteiro. É o primeiro exemplo de pintura all-over que eu vi.

No ensaio “Sobre a verdade e a mentira num sentido extra-moral”, Nietzsche escreve que um pintor sem mãos sempre pode cantar a paisagem, porque tudo o que ele está fazendo é dar forma a uma ideia. É um bom plano. “Como foi a sua exposição?” “Ótima, fui aplaudido de pé pela paisagem!” É um erro que também encontramos em Schopenhauer: a ideia artística seria expressa de acordo com o talento do artista, seja como pintura, ou como música… Como é a ideia que importa, a forma é intercambiável. É o lado platônico da estética. Também encontramos isso no coronel Badiou, que escreve em francês tortuoso. “Uma pintura”, diz ele, “é o traço da passagem da ideia eterna”. É isso que você tem que dizer aos estudantes de pintura: “Entenderam? Façam duas até amanhã…”

Para eles, o ideal seria um suporte transparente. Você sabe como os anjos se comunicam? “Mente ad mente”, disse Tomás de Aquino, “de alma para alma”. Eles usam um suporte muito transparente… eles não conhecem nenhuma língua. Eles não precisam de artistas porque não têm corpo.

A fantasia dos escritores é uma linguagem transparente. Daí o mito do suporte transparente, ideal, onde tudo o que a gente tem é o referente… mas a pintura não é ideal nem transparente. É completamente impura, é uma mistura… E mais, o mesmo serve para a escrita. Quando eu era criança, achava que escrever era fazer o papel de fio condutor entre a cabeça e o papel, mas não existe meio transparente. A coisa já começa com a resistência do papel.

Há também Jacques Rancière, um ex-aluno de Althusser. O que tornou a arte abstrata possível, diz ele, é uma certa conjunção de discursos, um certo sistema estético. Segundo ele, é a literatura que dá o tom. Se há mudanças na arte, diz ele, não são mudanças internas, mas novas constelações estéticas que emergem. Ele cita uma passagem dos irmãos Goncourt, onde eles descrevem um buquê de flores. E nisso ele vê o impressionismo se aproximando. Como se os pintores lessem livros para saber o que têm que pintar. “Tudo está em tudo, mas há, no entanto, um vegetal que dá o sabor, e esse vegetal é a literatura…” É papo furado. Discurso nível ensino médio. Quando, no fim das contas, ele não sabe nada sobre pintura. Absolutamente nada.

Obviamente, sem discurso ou fala, não há mundo. Como disse Lacan, uma criança que bate com a cabeça na mesa durante uma reunião familiar bate contra um conjunto de palavras. Quando se aprende a desenhar, fala-se muito. É preciso que alguém diga: olha para aquilo. Viktor von Weizsäcker disse que aquilo que não se aprendeu a ver, não se vê. Tudo isso é verdade, mas acho que as pessoas vão longe demais. O que falta é a consciência de que a pintura é uma coisa material. Quando Leonardo da Vinci disse que “la pittura è cosa mentale”, ele queria se diferenciar dos artesãos. Não era um apelo à arte conceitual. Não existe arte sem forma.

O gênio linguista Émile Benveniste disse que a única realização possível da comunicação humana é a palavra. Ele deixou a arte de fora. De todos os sistemas simbólicos que conhecemos (incluindo sinais de trânsito), só tem um que pode explicar e interpretar os outros: a linguagem.

Não existe linguagem da arte. A semiótica afundou que nem o Titanic.

Se a pintura é uma linguagem, fico imaginando o que os cegos veem nela.

Uma pintura não é um traço. É uma marca.

Não gosto de gente que ataca o formalismo.

Não dá para criar nada sem forma.

Acho que a pintura moderna começou depois da invenção da fotografia, porque a fotografia tornou a representação e a função da pintura como imagem obsoletas. Naquele momento, os pintores decidiram continuar a fazer o que já faziam quase em segredo, como a túnica de Diana pintada por Ticiano.

A fotografia livrou os pintores de viver uma vida dupla. 

Se pensarmos na Túnica de Diana em A morte de Acteon, de Ticiano, com todos aqueles vermelhos de diferentes densidades, às vezes muito fluido, dá para entender que não era a imagem que o interessava, mas a maneira de realizá-la. É por isso que eu digo que há sempre um elemento de fraude na arte. Acho que os pintores sempre viveram uma vida dupla: a da comissão e a da pintura. Nem todos foram tão reverentes e tão babões. A gente não está nem aí para a Madonna. Quando você visita o Tate Britain, pode apreciar os retratos da aristocracia inglesa inteira. Mas, apesar disso, nunca houve um pintor que tenha acordado uma bela manhã e dito: “A partir de agora vou fazer uma bela série de retratos da aristocracia inglesa”.

Quando Ticiano pintou A morte de Acteon, ele estava com a mesma idade que eu tenho hoje: setenta. Se você observar a liberdade com que ele pintou a túnica de Diana, vai perceber que ele estava bem mais avançado.

Cézanne disse em algum lugar que toda a pintura moderna vem de Ticiano. Eu estou começando a entender por que ele disse isso.

Se eles precisam de uma mancha amarela, por que pintar um limão?

Bernd Lohaus disse que o sucesso artístico é 50% genialidade e 50% enganação.

Turner é kitsch puro… é que nem o Bernard Buffet: são pintores de adolescência. Turner era um farsante. Fazia pinturas de calendário. Ele descobriu o artifício do pano e o repetia ad infinitum. Além disso, ele estava sempre fazendo bullying com o Constable.

Constable fazia texturas espessas e voluptuosas. E uma luz incrível.

Para salvar Turner, digo a mim mesmo, fazendo referência a Spinoza, que se poderia dizer que cada pintura é um modus da substância da pintura, até a mais desastrosa.

Quando você olha para a pintura, ela está cumprindo a sua função.

PINTAR

Como dizia Mao Tsé-tung, “primeiro você avança, depois você olha”.

Vi um vídeo onde o Deleuze fala sobre pintura, e tem um trecho onde ele cita Cézanne explicando que o trabalho do pintor começa bem antes de ele aplicar a primeira pincelada. Ele tem primeiro que se livrar de tudo o que não vai fazer na tela. É um trabalho mental. Eu chamo isso de matar os fantasmas. Depois do feito, parece uma etapa necessária, mas, no meio dela, você fica com vergonha e achando que está perdendo tempo.

Minha única tática consiste em me desligar do que fiz.

Meu trabalho evolui de acidente em acidente, de reparo em reparo. Vejo que alguma coisa não está funcionando, então algo precisa ser feito.

O problema da estética – a análise do trabalho de arte do ponto de vista do espectador – é que você sempre acaba achando um significado, e aí você se pergunta de onde ele vem. Por exemplo: eu sei que algumas pinturas que eu fiz foram ditadas para mim pela minha filha Els. Mas como elas tomaram forma? Quando se fala sobre pintura, você é obrigado a reconstruir gestos, consonâncias e circunstâncias…

Quando eu a explico, fico com a impressão de que estou mentindo.

Quando eu a explico, fico achando que as coisas aconteceram de outro jeito.

Você não está no olho que observa, mas na mão que trabalha.

Não sei como chego a uma pintura. Digo a mim mesmo: não pode ficar assim. E reajo. Não tenho nenhum modelo em mente. Sempre acho que os outros sabem melhor o que estão fazendo.

Van Gogh escreve a Theo que, quando Zola e Balzac se colocaram no lugar do pintor, eles erraram.

O que me interessa em Ticiano é que, ao trabalhar com veladuras, ele era obrigado a deixar as pinturas secarem. Por esse motivo, elas eram viradas para a parede, para evitar que acumulassem poeira. Acho que essa maneira descontínua de trabalhar deve ter influenciado o jeito como ele trabalhava. De qualquer modo, é o que acontece no meu ateliê. Muitas vezes não vejo minhas pinturas por um longo tempo, então, quando as viro, vejo mais claramente se é necessário acrescentar ou tirar alguma coisa ou aceitar a pintura como ela está. Em um mês as coisas mudam e nós também mudamos. Esse jeito de trabalhar está sem dúvida ligado ao fato de que Ticiano, que desenhava diretamente na tela, com um pincel, às vezes experimentava várias diferentes posições para suas figuras. Para o braço de Diana, por exemplo. Gostaria de saber mais sobre isso.

Quando você conserta os buracos nas paredes de uma galeria, você faz retângulos. Isso sempre produz lindas composições espontâneas.

Ticiano trabalhava muito com a espátula, que sempre foi considerada um instrumento menor pelos pintores. Provavelmente porque ela não registra as “sensibilidades” da mão com sutileza suficiente… Além disso, a espátula do pintor lembra a colher do pedreiro, o que parece diminuir o status do pintor: de praticante das artes liberais, ele se torna tão somente um gesseiro.

Quando se faz a mistura das cores, por causa do acréscimo de cores, você sempre acaba fazendo demais. É por isso que eu tive períodos azuis e períodos cinzas.

 

O QUADRO

 

Fazer uma pintura é transformar o nonsense em enigma.

Os gregos tinham deuses que inventavam enigmas para os seres humanos resolverem.

Ao ver uma pintura que retratava um porco azul, a faxineira disse: “Sempre gostei de bichos de pelúcia”.

É a mesma forma de inversão daquela mulher que escreveu que uma das minhas pinturas tinha sido inspirada pelo Krazy Kat, só porque eu tinha dito que o desenho me fazia pensar nesse quadrinho. É como se ela tivesse inventado um fantasma que era o modelo da pintura.

Outro dia pensei que quando Sartre disse que as pinturas são irreais ele as reduziu a objetos de percepção. É como se ele estivesse descolando a imagem da sua superfície e colocando-a atrás da pintura, dizendo que ela é o modelo da pintura. Ele tem dificuldade de perceber que atrás da pintura não há nada: que ela começa na tela e que há uma sequência, que levará a um objeto no qual as pessoas lerão intenções, etc.

O intelectual fala da arte como algo que “já está feito” (Constable). Ele não consegue admitir que antes da pintura não havia nada, ou quase nada.

Antes da pintura, não há nada. Ou talvez haja “menos do que nada”, como diz Žižek.

Para o pintor, a pintura não é a expressão de uma ideia já formada; é uma coisa a ser criada.

Por que não podemos prever uma pintura? A pintura está ligada ao real, e o real é inimaginável.

Os pintores fazem pinturas para poder olhar para elas.

Tem algumas coisas engraçadas no livro de Gilson sobre Dun Escoto. Dun Escoto disse que só havia uma solução para lidar com gente que não aceita a contingência: bater nelas até que admitam que você poderia não ter lhes dado uma surra.

 

HT: Uma pintura é feita de contingências?

SWENNEN: Sim, e parece que isso é incompreensível para algumas pessoas.

 

É que nem aquelas pessoas que não conseguem ver nenhuma diferença entre a borda de um quadro de história em quadrinhos e a borda de uma pintura. Um quadro de história em quadrinhos é como uma fotografia: está rodeado por um mundo virtual. Uma fotografia sugere coisas que não se consegue ver. Uma boa pintura mostra só a si própria. Na fotografia, o meio tende para zero: fica-se com a impressão de que não há nada entre nós e o referente. Ela se apresenta como transparente. Mas uma pintura não é transparente. É impura. Está tudo misturado…

De vez em quando, para me confortar, volto ao Gilson. Com os tomistas, pelo menos, as coisas ficam mais claras… Ele diz, por exemplo: “A imagem assume sua existência a partir de uma coisa diferente de si mesma, uma pintura assume sua existência a partir de si mesma”.

 

A IMAGEM

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[…]

 

Quando Constable disse que você tem que olhar as pinturas dele de perto, acharam que ele queria ser levado mais a sério, estudado em detalhe, quando na verdade o que ele realmente quis dizer é que é importante chegar perto da pintura.

Se você olhar de perto, você não vê mais a imagem, mas o jeito como a coisa é feita.

Depois que eu descobri que as pinturas são feitas de tinta, durante uma visita a uma galeria na avenida Louise, a minha mãe pensou que eu estava com um problema na vista e me levou num oftalmologista. E de fato o bom doutor disse que eu não deveria olhar as coisas tão de perto, que era ruim para os olhos.

Foi olhando de perto que eu vi como Ticiano pintou a túnica de Diana: com veladuras, contendo todos os tons de vermelho, do rosa ao vermelho mais vivo, tudo um pouco desbotado por causa do tempo, da deterioração da pintura e das várias restaurações.

Sempre achei que existia uma contradição entre imagens e linguagem. Mas na verdade existe uma contradição secundária, como diria Mao. A verdadeira contradição reside entre imagens e linguagem de um lado e pintura do outro.

Uma frase de Ticiano que me impressionou foi: “nada deve sair da tela”. Para mim, isso significa que a borda da pintura é real.

Malcolm Morley deixa bordas brancas em volta das imagens pintadas para mostrar que a imagem não coincide com a pintura. Ele pinta uma imagem como se fosse uma natureza morta: por exemplo um acordeão de cartões postais. Quando ele repintou A Escola de Atenas usando uma grade, ele errou uma linha, mas continuou. “Eu lobotomizei a filosofia grega”, ele disse.

Eu me perguntei por muito tempo por que as pinturas antigas não me interessavam. Acho que é porque são sobretudo uma questão de imagem: a Virgem Maria, uma crucificação, um cara com a barriga aberta, com as entranhas pra fora.

 

LITERATURA

 

Eu só leio thrillers e filosofia. A escola me fez perder o gosto pela literatura francesa.

Estou procurando um título para uma exposição. Isso está me irritando. É o imperialismo da literatura. Você sempre precisa ter um título. Nunca gostei de dar títulos às minhas pinturas, porque eles poderiam sugerir um assunto ou tema que teria sido a origem da pintura. É por isso que sempre dei às minhas pinturas o título Sem título, acrescentando o nome delas entre parênteses. Porque as pessoas dão nomes às pinturas, o que não é a mesma coisa que um título. Você tem que saber do que está falando. Não é muito prático chamar todas as suas pinturas de Sem título.

Não gosto do Magritte porque ele pintava anedotas. Por causa dos títulos literários, cada pintura se torna uma frase cuja segunda parte é uma imagem.

 

PALAVRAS

 

J&B vem de Justerini and Brooks. Gosto de nomes como esse.

Não gosto dessa linguagem proveniente do mundo dos negócios: autogestão (a maneira como você gerencia seu capital), autoinvestimento… Ou da linguagem proveniente da vida militar, como a palavra “comunicação”.

Sempre gostei da gíria usada em thrillers policiais. Gostaria muito de fazer uma lista cronológica do vocabulário usado, para ver como ele evoluiu.

 

MISCELÂNIA

 

Os canteiros de obras são lindos. Ontem vi três turcos bonitões de bigode. Eles estavam limpando a poeira uns dos outros com um jato de ar comprimido, girando e levantando os braços, como três graças... Você conhece aquela piada? “Eles não fazem absolutamente nada naquele escritório. Eu sei porque estou olhando há mais de uma hora .”

 

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Um dia o Bernd Lohaus me disse que é possível neutralizar o perfume de uma loção pós-barba se você filtrar com uma baguete. Eu tentei. Continua nojento, mas o ritual é agradável.

 

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Na nossa casa, se você chegasse de quatro, ninguém falava nada no dia seguinte. Mesma coisa com a guerra.

 

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O perfume preferido da Nan: Mystère, de Rochas.

 

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O estado de Nova York parece um funil. As fronteiras são engraçadas: “Os americanos confundem mapas com territórios”, disse Ho Chi Minh.

 

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O que mais me marcou nas histórias em quadrinhos do Mickey Mouse é que, para cada história, eles inventavam uma tipografia diferente para os títulos.

 

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Vermelho inglês. Cor de tijolo. Sempre associei essa cor às prisões, porque a prisão de Forest era feita de tijolos. Lembro que, quando cheguei a Londres, fiquei surpreso ao ver todos aqueles edifícios de tijolos. Era como uma cidade cheia de prisões. Mais tarde, o pintor londrino Gerry Smith ficou surpreso com o fato de eu saber os nomes de tantas prisões de Londres: Brixton, Fleet, Newgate, Pentonville… Eu os conheço por ter lido romances policiais. Você já ouviu falar dos “motins do gim”? Quando o povo ocupou Londres e libertou todos os prisioneiros? Quase ninguém ficou ferido e todo mundo ficou bêbado por dez dias, até que a rebelião foi reprimida e as ruas ficaram cobertas de sangue.

Maliévitch escreveu uma frase bonita: “Graças à velocidade, estamos avançando mais rapidamente”.

O lema de Serguei Nietcháiev era: “A toda velocidade pela lama”. Ele era um terrorista individualista. Quando eu tinha um ateliê em cima do Entrepôt du Congo, meu lema era: “Vá direto para o pior”. Agora mudei de lema. Agora é: “Minha relutância continua intacta”. 

Você encontra o lema mais bonito em Stephen Leacock, quando um aristocrata que percebe que está arruinado lê o lema da sua família: “Hic haec hoc huius huius huius”.

 

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No inverno passado eu me apaixonei por Sybil Seely, parceira de Buster Keaton nos seus primeiros filmes.

O historiador de arte Paul Ilegems escreveu que eu sou um pé no saco. Ele acertou em cheio.

 

Montagne de Miel, 30 de maio de 2016

 

 

Traduzido por Miguel Nassif